*Artigo de MARIA ALICE SETUBAL para a Folha de São Paulo.
Como esperar que os
nossos filhos sejam abertos à diversidade, se em casa somos intolerantes?
Minha mãe costumava
dizer que os “filhos são nossa obra-prima”. Já meu pai, mais pragmático, falava
sempre que “difícil, na vida, é educar os filhos; a gente dá um jeito no
resto”. Como fazer da difícil tarefa de educar os filhos uma obra-prima?
A globalização, o
acesso às informações em tempo real e a velocidade das mudanças nos deixam
atônitos e paralisados, sem respostas assertivas para orientar nossa conduta em
relação aos filhos.
O padrão de sociedade
que construímos está na raiz de questões com as quais nós, pais e educadores,
nos deparamos. Uma sociedade na qual as relações são baseadas em consumo e
aparências, afetando o respeito ao outro na sua diferença e a vida do planeta
como um todo.
Em uma sociedade em
que o consumo é o eixo em torno do qual se desenvolvem toda a economia e os
valores, o “ter” se sobrepõe ao “ser” de forma avassaladora. É difícil trilhar
um caminho inverso.
Somos valorizados pelo
que aparentamos ou temos, o que torna vazias as formas de interação social.
Sem nos darmos conta,
principalmente nas grandes cidades, acabamos não tendo tempo para conhecer as
pessoas, nem mesmo aquelas à nossa volta. Não sabemos mais como cultivar a
convivência jogando conversa fora ou buscando uma reflexão que nos tire do
lugar-comum, do superficial pasteurizado da comunicação de massas e das mídias
sociais.
Na semana passada, em
entrevista a uma revista semanal, a escritora americana Rosalind Wiseman,
especialista em “bullying”, destacou a dificuldade dos pais em impor limites
aos filhos. Ela afirma que, muitas vezes, os pais se colocam como cúmplices dos
filhos, não só defendendo-os de forma incondicional, como também dando o mau
exemplo em casa.
Como esperar que
crianças e jovens sejam solidários e abertos à diversidade cultural e social,
se em casa somos intolerantes, preconceituosos e autoritários? Como construir
relações sociais mais consistentes e verdadeiras, se incentivamos de forma
exagerada nossos filhos a usarem grifes e, sobretudo, valorizamos amizades
relacionadas a prestígio e poder?
Vivemos um momento de transição para um paradigma em
que a sustentabilidade deve ser o eixo da nova sociedade. E precisamos educar
nossos filhos orientados por essa concepção, pois esse será o mundo em que eles
irão viver. Um mundo onde a interdependência entre o ser humano e seu entorno,
assim como a inter-relação entre o local, o regional e o global são premissas
básicas.
Somos cidadãos planetários e por isso o “cuidado”, ao
lado do diálogo, da diversidade cultural e da cooperação, passa a ser um valor
fundamental em todos os setores: economia, cultura e educação. Precisamos aprender
a cuidar de nós mesmos, do outro e do ambiente em que vivemos. A globalização e
as novas tecnologias nos conectaram uns aos outros e abriram novas formas de
ser, pensar, sentir e agir.
Consumo
responsável, alimentação saudável, respeito às diversidades, saber ouvir e
participar da vida social e política, criatividade e inovação poderão ser os
novos pilares da sociedade contemporânea-e o Brasil tem todas as condições para
trilhar esse caminho.
Resta saber se teremos a maturidade e as condições
para a construção e a afirmação de novos valores. Papel esse que é de toda a
sociedade, mas, sobretudo, é responsabilidade dos pais.
Pesquisas e a experiência de instituições e
profissionais que trabalham com jovens mostram que, para eles, a família é a
instituição de maior valor, o seu porto seguro. Sobretudo para jovens de baixa
renda, a mãe é a grande referência em suas vidas.
Portanto, faço aqui um convite para refletirmos sobre
que educação queremos dar aos nossos filhos, para que vivam a contemporaneidade
que o século 21 nos impõe.
*Artigo escrito para a Folha de São Paulo por MARIA ALICE SETUBAL. Neca Setubal é doutora em psicologia da educação
(PUC-SP) e presidente dos Conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária, da Fundação Tide Setubal e do Instituto
Democracia e Sustentabilidade.