quarta-feira, 20 de junho de 2012

Rio+20: Severn: “Se pudesse falar aos governantes hoje, perguntaria: ‘Vocês querem ser lembrados como os dinossauros de uma economia que está morrendo?’”

Em entrevista exclusiva ao Planeta Sustentável, a canadense Severn Suzuki, conhecida como “a menina que calou o mundo por cinco minutos” após discursar na Rio92 com apenas 12 anos, diz estar desapontada com a performance dos governantes na Rio+20, sobretudo do Brasil e do Canadá, e tem na ponta da língua o discurso que faria para os líderes globais na Conferência da ONU, caso tivesse a chance novamente: “Eu perguntaria a eles para onde acreditam estar indo, porque sinceramente não entendo. Eles querem ser lembrados como os dinossauros de uma economia que está morrendo?”.
Confira, abaixo, a entrevista completa concedida durante o evento Carta da Terra na Rio+20, promovido pela iniciativa Carta da Terra Internacional.


Há 20 anos, você fez um discurso na Rio92 que comoveu milhões de pessoas. Duas décadas depois, acredita que nos conscientizamos e progredimos rumo ao desenvolvimento sustentável?
Na semana passada, a comunidade científica global apresentou um relatório que mostra que a humanidade está exercendo tanta pressão sobre o planeta, atacando seus ecossistemas de tantas maneiras ao mesmo tempo, que a ecosfera não aguentará e sofrerá uma grande mudança, parecida com a que ocorreu na era do gelo. Apenas esse fato já nos traz a resposta: claramente, nós não fizemos a transição para a sustentabilidade que precisávamos ter feito e nos vemos presos, hoje, nos mesmos impasses dos debates de 20 anos atrás.
Claro que tiveram avanços, sobretudo na área de inovação. Agora nós sabemos para onde guiar nossas esperanças, conhecemos as soluções para nossos problemas, mas voltando à Rio92 e comparando com o que poderíamos ter feito a partir daquelas discussões, nós claramente falhamos.

Por quê? Qual foi o grande problema?
Enfrentamos uma crise governamental e isso deve ser trazido à tona na Rio+20. Quem está lutando pela causa humana, afinal? Os governos estão cada vez menos unidos para proteger o planeta. Os documentos e acordos que saíram da Rio92, se comparados com as discussões que temos hoje na Conferência da ONU, são excepcionais. O problema é que os governantes de hoje não estão dispostos a trabalhar juntos pelo futuro do planeta. Essa é a grande crise. Se eles não são capazes de se unir para o desenvolvimento sustentável, então quem fará isso? O setor empresarial está avançando no assunto e a sociedade civil está engajada de um jeito nunca visto antes – sobretudo por conta da internet e da democratização da informação. Mas, no final das contas, estão todos esperando por atitudes políticas. Esperando que os governos lhes imponham regras e digam quanto CO2 será permitido emitir, como o lixo deverá ser cuidado, onde as sacolas plásticas serão banidas. Todos esperam por atitudes de um governo que está cada vez mais distante da questão da sustentabilidade, que luta para manter o atual modelo de sociedade, mas que não vai conseguir. Chegamos em um momento em que não há opção. Ou agarramos a oportunidade que temos agora de escolher a mudança ou a mudança nos alcançará, e mudaremos para pior.

Como rumar para um modelo de desenvolvimento sustentável, nesse cenário amarrado que você acaba de descrever?
A resposta para uma transição sustentável, na verdade, é um milhão de respostas. Há um milhão de soluções, que serão diferentes em cada local. Falando como bióloga, a chave para a nossa sobrevivência e evolução é a diversidade. Enquanto sociedade, estamos limitando nossas diversidades. Tudo o que fazemos é para alcançar um modelo social, cultural e econômico que nos foi imposto e que, na verdade, está falido. A única maneira de lidar com essa crise em que nos encontramos é encontrar as pequenas várias soluções que existem mundo afora. A resposta para o futuro é agir localmente.

Enquanto canadense, como você avalia a posição do seu país na Rio+20?
Estou completamente envergonhada do meu país. Há 20 anos, o canadense Maurice Strong fez um excelente trabalho como secretário-geral da Rio92 e tínhamos diversos líderes locais compartilhando ideias e soluções inteligentes para as mudanças sustentáveis globais que precisávamos. Hoje, a posição do Canadá é egoísta. Não queremos trabalhar com ninguém, não temos uma sociedade civil engajada e nem uma delegação decente. Nosso governo não debate o assunto com a sociedade civil e recentemente pulou fora do Protocolo de Kyoto. Nós mudamos completamente nossa postura. É vergonhoso. Nesta semana, eu participei de um painel com um ministro da Nova Caladonia, uma pequena ilha do Pacífico Sul que está promovendo uma série de mudanças, em diferentes níveis, para lutar pela sobrevivência do seu território e do seu povo. Diante de tamanha mobilização, me senti envergonhada de dividir o palco com eles, representando o Canadá, um país que basicamente diz: “Nós não ligamos para mais ninguém. Nós não ligamos pra você e ou para os problemas do Pacífico Sul. Nós vamos continuar emitindo CO2 para crescer e ponto final. Vejo vocês em outra vida”.

E quanto à performance do Brasil, que é anfitrião da Conferência?
Há algumas similaridades entre Brasil e Canadá. Somos grandes países com grandes reservas de recursos naturais. Eu fico desolada quando vejo a questão de Belo Monte evoluindo e o Código Florestal afrouxando, em um país com tanta riqueza natural. Para mim, é um paradoxo. Mas, infelizmente, essa é a tendência que vemos no mundo dos governantes. Todos concordamos que os ecossistemas naturais estão com problemas sérios, mas as ações dos nossos governantes são todas para alavancar a economia, para crescer cada vez mais. Esse é o paradoxo que precisamos analisar enquanto seres racionais. Perseguimos cegamente um sistema econômico que está nos destruindo.

Se tivesse hoje a oportunidade de falar novamente a todos os líderes que participam da Conferência da ONU, o que você diria?
Eu perguntaria para onde eles acreditam que estão indo, porque sinceramente não entendo. Essa geração de líderes vai ser lembrada pelo seu legado, pelo caminho que está traçando. Sabendo isso, o que eles farão? Serão relevantes e tomarão à dianteira para fazer algo que fique gravado na história da humanidade como “o momento em que nos preocupamos e agimos”? Ou insistirão em ser os dinossauros de uma economia que está morrendo? Porque nosso modelo econômico está, claramente, morrendo e todos ficam lutando para ressuscitá-lo. Não consigo entender. Há tantos problemas com esse modelo econômico e continuamos fazendo de tudo para salvá-lo. Se tivesse a oportunidade, perguntaria a cada um deles que tipo de pessoa, que tipo de líder gostariam de ser para ficarem marcados na história da humanidade.

O que você espera para o futuro nos próximos 20 anos?
Eu falei muito sobre as mudanças do mundo nas últimas duas décadas, mas eu também mudei. Eu cresci e tenho dois filhos. Quando me tornei mãe, entendi porque o discurso de uma criança de 12 anos provocou tamanha comoção nos líderes globais. Uma das ferramentas mais poderosas do homem é o amor entre gerações. Não importa de onde são, pais sempre farão de tudo para garantir segurança e um futuro bom para seus filhos. Pela minha cria, eu tenho que ter fé de que o futuro será brilhante, de que vamos mudar o rumo dos acontecimentos e resolver o problema. Independente do desfecho escolhido pelos governantes, eu sairei da Rio+20 confiante, porque sei que a energia e o espírito de transformação que paira na cidade do Rio de Janeiro ficará. Há momentos na história em que a revolução está no ar. Acredito que vivemos um deles.

Fonte: Débora Spitzcovsky, Planeta Sustentável
Foto: Creative Commons