Em entrevista
exclusiva ao Planeta Sustentável, a canadense Severn Suzuki, conhecida como “a menina que calou
o mundo por cinco minutos” após discursar na Rio92 com
apenas 12 anos, diz estar desapontada com a performance dos governantes na Rio+20,
sobretudo do Brasil e do Canadá, e tem na ponta da língua o discurso que faria
para os líderes globais na Conferência da ONU, caso
tivesse a chance novamente: “Eu perguntaria a eles para onde acreditam estar
indo, porque sinceramente não entendo. Eles querem ser lembrados como os
dinossauros de uma economia que está morrendo?”.
Confira,
abaixo, a entrevista completa concedida durante o evento Carta da Terra na Rio+20, promovido pela
iniciativa Carta da Terra Internacional.
Há
20 anos, você fez um discurso na Rio92 que comoveu milhões de pessoas. Duas
décadas depois, acredita que nos conscientizamos e progredimos rumo ao
desenvolvimento sustentável?
Na semana passada, a comunidade científica global apresentou um relatório que
mostra que a humanidade está exercendo tanta pressão sobre o planeta, atacando
seus ecossistemas de tantas maneiras ao mesmo tempo, que a ecosfera não
aguentará e sofrerá uma grande mudança, parecida com a que ocorreu na era do
gelo. Apenas esse fato já nos traz a resposta: claramente, nós não fizemos a
transição para a sustentabilidade que precisávamos ter feito e nos vemos
presos, hoje, nos mesmos impasses dos debates de 20 anos atrás.
Claro que tiveram avanços, sobretudo na área de inovação. Agora
nós sabemos para onde guiar nossas esperanças, conhecemos as soluções para
nossos problemas, mas voltando à Rio92 e comparando com o que poderíamos ter
feito a partir daquelas discussões, nós claramente falhamos.
Por
quê? Qual foi o grande problema?
Enfrentamos uma crise governamental e isso deve ser trazido à tona na Rio+20.
Quem está lutando pela causa humana, afinal? Os governos estão cada vez menos
unidos para proteger o planeta. Os documentos e acordos que saíram da Rio92, se
comparados com as discussões que temos hoje na Conferência da ONU, são
excepcionais. O problema é que os governantes de hoje não estão dispostos a
trabalhar juntos pelo futuro do planeta. Essa é a grande crise. Se eles não são
capazes de se unir para o desenvolvimento sustentável, então quem fará isso? O
setor empresarial está avançando no assunto e a sociedade civil está engajada
de um jeito nunca visto antes – sobretudo por conta da internet e da
democratização da informação. Mas, no final das contas, estão todos esperando
por atitudes políticas. Esperando que os governos lhes imponham regras e digam
quanto CO2 será permitido emitir, como o lixo deverá ser cuidado, onde as
sacolas plásticas serão banidas. Todos esperam por atitudes de um governo que
está cada vez mais distante da questão da sustentabilidade, que luta para
manter o atual modelo de sociedade, mas que não vai conseguir. Chegamos em um
momento em que não há opção. Ou agarramos a oportunidade que temos agora de
escolher a mudança ou a mudança nos alcançará, e mudaremos para pior.
Como
rumar para um modelo de desenvolvimento sustentável, nesse cenário amarrado que
você acaba de descrever?
A resposta para uma transição sustentável, na verdade, é um milhão de
respostas. Há um milhão de soluções, que serão diferentes em cada local.
Falando como bióloga, a chave para a nossa sobrevivência e evolução é a
diversidade. Enquanto sociedade, estamos limitando nossas diversidades. Tudo o
que fazemos é para alcançar um modelo social, cultural e econômico que nos foi
imposto e que, na verdade, está falido. A única maneira de lidar com essa crise
em que nos encontramos é encontrar as pequenas várias soluções que existem
mundo afora. A resposta para o futuro é agir localmente.
Enquanto
canadense, como você avalia a posição do seu país na Rio+20?
Estou completamente envergonhada do meu país. Há 20 anos, o canadense Maurice
Strong fez um excelente trabalho como secretário-geral da Rio92 e tínhamos
diversos líderes locais compartilhando ideias e soluções inteligentes para as
mudanças sustentáveis globais que precisávamos. Hoje, a posição do Canadá é
egoísta. Não queremos trabalhar com ninguém, não temos uma sociedade civil
engajada e nem uma delegação decente. Nosso governo não debate o assunto com a
sociedade civil e recentemente pulou fora do Protocolo de Kyoto. Nós mudamos
completamente nossa postura. É vergonhoso. Nesta semana, eu participei de um
painel com um ministro da Nova Caladonia, uma pequena ilha do Pacífico Sul que
está promovendo uma série de mudanças, em diferentes níveis, para lutar pela
sobrevivência do seu território e do seu povo. Diante de tamanha mobilização,
me senti envergonhada de dividir o palco com eles, representando o Canadá, um
país que basicamente diz: “Nós não ligamos para mais ninguém. Nós não ligamos
pra você e ou para os problemas do Pacífico Sul. Nós vamos continuar emitindo
CO2 para crescer e ponto final. Vejo vocês em outra vida”.
E
quanto à performance do Brasil, que é anfitrião da Conferência?
Há algumas similaridades entre Brasil e Canadá. Somos grandes países com
grandes reservas de recursos naturais. Eu fico desolada quando vejo a questão
de Belo Monte evoluindo e o Código Florestal afrouxando, em um país com tanta
riqueza natural. Para mim, é um paradoxo. Mas, infelizmente, essa é a tendência
que vemos no mundo dos governantes. Todos concordamos que os ecossistemas
naturais estão com problemas sérios, mas as ações dos nossos governantes são
todas para alavancar a economia, para crescer cada vez mais. Esse é o paradoxo
que precisamos analisar enquanto seres racionais. Perseguimos cegamente um
sistema econômico que está nos destruindo.
Se
tivesse hoje a oportunidade de falar novamente a todos os líderes que
participam da Conferência da ONU, o que você diria?
Eu perguntaria para onde eles acreditam que estão indo, porque sinceramente não
entendo. Essa geração de líderes vai ser lembrada pelo seu legado, pelo caminho
que está traçando. Sabendo isso, o que eles farão? Serão relevantes e tomarão à
dianteira para fazer algo que fique gravado na história da humanidade como “o
momento em que nos preocupamos e agimos”? Ou insistirão em ser os dinossauros
de uma economia que está morrendo? Porque nosso modelo econômico está,
claramente, morrendo e todos ficam lutando para ressuscitá-lo. Não consigo
entender. Há tantos problemas com esse modelo econômico e continuamos fazendo
de tudo para salvá-lo. Se tivesse a oportunidade, perguntaria a cada um deles
que tipo de pessoa, que tipo de líder gostariam de ser para ficarem marcados na
história da humanidade.
O
que você espera para o futuro nos próximos 20 anos?
Eu falei muito sobre as mudanças do mundo nas últimas duas décadas, mas eu
também mudei. Eu cresci e tenho dois filhos. Quando me tornei mãe, entendi
porque o discurso de uma criança de 12 anos provocou tamanha comoção nos
líderes globais. Uma das ferramentas mais poderosas do homem é o amor entre
gerações. Não importa de onde são, pais sempre farão de tudo para garantir
segurança e um futuro bom para seus filhos. Pela minha cria, eu tenho que ter
fé de que o futuro será brilhante, de que vamos mudar o rumo dos acontecimentos
e resolver o problema. Independente do desfecho escolhido pelos governantes, eu
sairei da Rio+20 confiante, porque sei que a energia e o espírito de transformação
que paira na cidade do Rio de Janeiro ficará. Há momentos na história em que a
revolução está no ar. Acredito que vivemos um deles.
Fonte: Débora
Spitzcovsky, Planeta Sustentável
Foto:
Creative Commons