O
filósofo e teólogo Leonardo Boff é um dos grandes destaques da Educar 2013. Com
o tema “Sustentabilidade na Reinvenção da Educação na Visão de Um Apaixonado
Pelo Criador e Pela Criatura”, Boff irá abordar questões referentes ao meio
ambiente a importância da humanidade zelar pelo seu planeta. Como esse debate
pode e deve fazer parte da escola? Para responder essa e outras dúvidas
conversamos com o palestrante, eu concedeu ENTREVISTA EXCLUSIVA para a equipe
do evento. Confira!
Aprender a plantar |
Qual
é a realidade da educação brasileira com relação ao debate sobre o meio
ambiente dentro da escola? E qual é o incentivo que os alunos recebem para que
tenham atitudes que prezem pela sustentabilidade?
Mais e mais as escolas estão despertando
para temáticas ligadas à ecologia. A consciência geral na sociedade é muito
insuficiente e mesmo no governo, que trata esta questão como uma externalidade,
vale dizer, que pode ser sacrificado em nome do PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento) e do progresso imediato. É importante descolar o conceito de
sustentabilidade daquele do desenvolvimento. Pois o tipo de desenvolvimento que
temos supõe a dominação da natureza e a acumulação ilimitada. Isso é totalmente
insustentável. Desenvolvimento sustentável significa atingir um crescimento
econômico que seja amplamente compartilhado pela sociedade e que proteja os
bens e serviços vitais do planeta. Sustentabilidade é permitir que todos os
seres sejam vistos como tendo um valor em si, independentemente do uso humano,
zelar para que continuem a existir e que possam ser passados às futuras
gerações enriquecidos. A educação supõe transmitir um novo olhar para com a
natureza e para com a Terra. Esta é mãe que nos dá tudo o que precisamos. Nossa
missão é cuidar dela. Isso implica cuidar de seu sangue que é a água para que
seja limpa, de sua pele que é a mancha verde, de sua respiração que é o ar que
não pode ser poluído, dos solos onde vivem quintilhões de quintilhões de
micro-organismos para que não sejam destruídos pelos agrotóxicos, etc.
Aprender sobre compostagem |
Ninguém se engaja pelas questões ecológicas que tem a ver com a vida, com a mãe Terra e com o futuro de nossa civilização se não for tomado pela paixão de amar, cuidar, proteger e defender essa herança sagrada que o universo ou Deus nos legaram. Não basta a razão. Ela é fria e calculista. Precisamos de coração e de afeto. Quer dizer, precisamos resgatar a razão cordial e sensível que é a sede dos valores, da ética e da espiritualidade. Ver em cada criatura a marca registrada de Deus, descobrir as mensagens que cada criatura nos quer transmitir, essa é a singularidade do ser humano, portador de consciência e de inteligência. Esta atitude de encantamento e de respeito diante de cada ser, por insignificante que possa parecer, é urgente hoje, pois maltratamos a natureza e tiramos mais dela do que ela pode repor. Esta estratégia é irresponsável e hostil à vida.
Praticar a coleta seletiva de papel, metal, plástico, vidro, pilhas e baterias. |
Ninguém está preparado porque no processo de formação dos docentes não havia ainda a preocupação ecológica. Ela surgiu mundialmente só a partir dos anos 70 quando se deu o primeiro alarme ecológico com a detectação dos limites da Terra que obrigava a propor limites ao crescimento. Hoje não temos alternativa: ou nos preparamos para um novo modo de habitar o planeta, convivendo com seus limites e com as possibilidades reduzidas dos ecossistemas ou então não teremos futuro. Já construímos uma máquina de morte que nos pode eliminar a todos e agravar profundamente o sistema-vida. Então importa que todos os saberes sejam ecologizados, quer dizer, deem a sua colaboração no sentido de limitar nosso consumismo, respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas e viver uma sobriedade compartilhada. Se respeitarmos a dinâmica na natureza, ela nos dará tudo o que precisamos. Mas precisamos escutar a natureza e conhecer seus mecanismos.
Coleta seletiva de óleo de cozinha usado |
A família é fundamental para uma educação
ecológica. Pois é na família que os filhos e filhas aprendem os hábitos de
cuidar do lixo, da água, das plantas, de não queimar nada, de reduzir o
consumo, de reusar e reciclar. Porém, mais do que tudo: é na família que se
aprende a ter limites, tarefa principal dos pais. Precisamos hoje de limites na
exploração da natureza, limites no consumo, limites nas relações sociais.
Devemos buscar a justa medida em todas as coisas. A justa medida é o meio termo
entre o mais e o menos, mas aquilo que nos satisfaz e deixa espaço para os
outros. No fundo devemos aprender a ser responsáveis por tudo. Isto significa
darmo-nos conta das consequências de nossos atos e de nossas palavras para que
sejam construtivos e não destrutivos, para que favoreçam a continuidade da
natureza, da vida e de nossa civilização. Se não tivermos responsabilidade
poderemos conhecer os caminhos já percorridos pelos dinossauros que
despareceram após uma grande catástrofe ecológica.
Conhecer para preservar |
Grande parte da tecnologia hoje não se
orienta pela melhoria da vida, mas para o aumento dos lucros no mercado. Tudo
virou commodities, tudo virou mercadoria com a qual se pode fazer dinheiro. 70%
da tecnologia atual é tecnologia para fins militares. Podemos destruir toda a vida
na Terra por 25 formas diferentes. Então devemos perder o fascínio pela
tecnologia. Ela pode ser a grande arma de destruição coletiva. Mas ela pode nos
ajudar a curar as chagas da Terra, prolongar a vida humana, tornar mais leve o
fardo da existência e facilitar a comunicação entre todos. Mas ela nunca
substitui a pessoa humana. Um computador ou um Ipad não estende um braço
virtual e nos enxuga uma lágrima ou nos coloca a mão ao ombro para nos dar
força. O ser humano solidário e amigo de outro ser humano pode. Hoje, foram
desenvolvidas tecnologias que agridem menos a natureza e assim favorecem uma
perspectiva ecológica. Mas o que precisamos mesmo não é de novas tecnologias,
mas um novo paradigma, vale dizer, uma forma nova de nos relacionar com a Terra
e a natureza de tal modo que entremos em sinergia com elas. E aí sim usaremos
as tecnologias que nos ajudarão na preservação dos bens e serviços escassos da
Terra.
Praticar o 3 Rs |
Hoje encostamos nos limites da Terra. O
aquecimento global é a forma como a Terra, superorganismo vivo (chamado Gaia)
revela seu estado doentio. Daí se entende os eventos extremos de secas e
enchentes, nevascas de grande magnitude e tufões devastadores. O próprio Governo
americano, que sempre relutava em aceitar esse fenômeno porque atrapalhava os
negócios das grandes corporações, hoje trata o aquecimento global como uma
questão de segurança nacional. A educação deve introduzir os estudantes para
essa nova fase da Terra e da humanidade. Se nada fizermos poderemos chegar
tarde demais e seguir um caminho que nos conduz a um abismo sem volta. Não dá
para seguir com uma educação alienada da situação global da Terra e da vida.
Não seria responsável e nem estaria à altura dos desafios atuais. Agora não
temos uma arca de Noé que salve alguns e deixa perecer os demais. Ou nos
salvamos todos ou pereceremos todos. Por isso a importância dos valores do
cuidado, do respeito pela vida, da responsabilidade por tudo o que fazemos em termos
dos bens essenciais à vida, como água, fibras, solos, ar, alimentos etc. Esse
debate deve ser levado aos estudantes para que sejam ativos e não passivos
diante da gravidade da situação geral do planeta.
Aprender a cuidar |
Conheça mais sobre o Leonardo Boff. Acesse
o site do palestrante e conheça um pouco mais sobre suas obras e pensamentos!
www.leonardoboff.com
Confira a PROGRAMAÇÃO completa do evento.
Crédito da Entrevista: jornalista Patrícia Melo –
Presença Comunicação Educacional
Nas fotos, alunos do Colégio Arquidiocesano nas Oficinas no Projeto de Educação Ambiental Cheirinho de Mato, com o professor José Bezerra.